Para a quase totalidade das pessoas, quando se fala em atividades junto à natureza como "acampar", a idéia é prontamente associada aos atos de escolha de um local bucólico e tranqüilo, a montagem de uma barraca e, de imediato, à preparação de um círculo ao redor de uma fogueira, centro em torno do qual as pessoas reunir-se-ão para conversar, cozinhar, aquecer-se, repetindo um ritual de sociabilização transmitido de geração a geração e cujas origens perdem-se no início da história humana.

Como de costume, a higiene pessoal e a limpeza dos utensílios de cozinha serão feitas na fonte de água mais próxima e os dejetos humanos depositados atrás de alguma vegetação, rocha ou, em raras ocasiões, enterrados ou queimados.

Já há muito incutidas na nossa cultura, estas práticas tornam-se um seríssimo problema ante o crescente interesse das pessoas pelas práticas denominadas outdoor e que, desprovidas de uma educação ambiental, passam a engrossar fluxos massivos de visitantes dentro de limitadas áreas naturais acarretando uma sobre-exposição que muitas vezes o ambiente local não se encontra apto a resistir. Tais práticas não mais combinam com os modernos conceitos de proteção à natureza, exigindo uma profunda reeducação do indivíduo quanto aos hábitos tradicionalmente adotados no excursionismo, acampamentos, caminhadas, escaladas e uma infinidade de outras atividades nas áreas silvestres.

Note-se que mesmo o excursionista tomando todos os cuidados básicos quanto ao uso da água, o tratamento dos dejetos e o convívio com a fauna e a flora, tais precauções não mais são suficientes em vista do turismo de massa decorrente da circulação de uma sempre crescente quantidade de visitantes, os quais percorrerão um incontável número de vezes uma mesma trilha, montando suas barracas sempre num mesmo local, recolhendo lenha no mesmo bosque e fazendo uma nova fogueira em cada acampamento, as quais deixarão por longo tempo o ambiente natural crivado de cicatrizes negras onde o solo tornou-se estéril.

E é neste ponto que entra a "ética de mínimo impacto".

Desde a década de 70 que nos Estados Unidos a NOLS - National Outdoor Leadership School vem divulgando um programa internacional denominado "Leave No Trace (LTN)" ou "No Dejes Rastros (NDR)" como têm se popularizado nos países de língua espanhola, e que no Brasil poderia ser chamado de "Não Deixe Marcas" , visando à reeducação das pessoas para uma prática de conservação de áreas naturais e cujas técnicas vêm sendo adotadas e divulgadas por todas as entidades que atuam na linha de frente quanto à proteção à ecologia e à natureza.

O modelo de mínimo impacto das atividades realizadas na natureza, além de imbuído de uma forte conscientização ecológica e social, leva o indivíduo a pensar naquele que o sucederá praticando as mesmas atividades lúdicas, estimulando-o a agir com segurança e preservar o meio-ambiente incólume para que outras pessoas possam usufruí-lo na mesma proporção, estabelecendo como valor principal toda uma ética comportamental objetivando evitar que sejam deixadas marcas muitas vezes irreparáveis como registros da presença humana no ambiente silvestre.
No Brasil, duas das instituições pioneiras que podem ser citadas como divulgadoras das técnicas de mínimo impacto junto à natureza há mais de uma década são a Associação Cânions da Serra Geral - ACASERGE em Porto Alegre e a Federação de Montanhismo do Rio de Janeiro - FEMERJ.

Basicamente as técnicas podem ser reduzidas a alguns enunciados fundamentais, sobre os quais tratarei especialmente no próximo post. Enviar para o Twitter


       Continuando o tema do mínimo impacto humano quando em interação com o ambiente natural, algumas regras de ouro podem ser facilmente adotadas, exigindo, por outro lado, a vontade de assumir certas mudanças de hábito e de cultura. Estes enunciados fundamentais, simples, didáticos e de fácil memorização, não são absolutos mas resumem, em sua essência, a ética e as técnicas de mínimo impacto recomendadas para cada situação e que devem ser atendidas sempre que possível:
1 - PLANEJAR E PREPARAR ANTES DE SAIR
  • Informe-se o melhor possível quanto ao lugar que pensa visitar: caminhos, acampamentos, previsão do tempo, restrições, etc.

  • Defina as metas e objetivos da viagem e considere a condição física dos participantes.

  • Leve equipamento adequado para as condições do terreno e do clima.

  • Não leve lixo para a natureza. Deixe em casa as embalagens volumosas ou pesadas e coloque os seus alimentos em sacos ou potes plásticos que possam ser reutilizados. Evite levar latas ou vidro.

  • Quando possível, viaje em grupos pequenos.


2 - VIAJE E ACAMPE EM SUPERFÍCIES DURÁVEIS E RESISTENTES
  • Acampe longe das fontes de água (60 metros = 70 passos).

  • Evite os lugares onde o impacto no ambiente ainda está reduzido possibilitando a sua recuperação.

  • Evite contaminar as fontes de água e nelas só introduza recipientes limpos.

  • Não construa bancos nem mesas. Lembre-se que o melhor acampamento não se faz, se encontra.

  • Utilize mapa e bússola para evitar deixar sinais de orientação em rochas ou plantas.

  • Restrinja sempre que possível as atividades em lugares com vegetação.

  • Em áreas de muito uso e excessivamente atingidas: concentre a circulação nas áreas já impactadas, escolha lugares já designados para acampamento quando estes existirem, procure permanecer e caminhar em fila indiana nas trilhas no caminho evitando alargá-las além do necessário, não corte caminho abrindo novas trilhas, evite produzir maior erosão, descanse fora do caminho em superfícies duráveis e resistentes como rochas, areia, grama, pasto seco, etc.

  • Em áreas virgens ou de pouco uso: quando visitar lugares virgens procure dispersar o impacto, quando viajar por áreas sem trilhas, caminhe por superfícies duráveis e resistentes, acampe em superfícies duráveis e resistentes sempre que possível.


3 - LIXO: TUDO O QUE LEVAR, TRAGA DE VOLTA
  • Regresse com todo lixo que tenha produzido e, se possível, com aquele que encontrar. Não o enterre!

  • Proteja sua comida e a fauna, empacotando adequadamente seus alimentos. Lembre-se que é sua comida não a dos animais, sendo prejudicial e perigoso habituá-los ao alimento dos humanos.

  • Recolha toda a comida que cair no solo e também leve com você todos os restos.


4 - DEJETOS: DISPONHA ADEQUADAMENTE TUDO AQUILO QUE NÃO PUDER TRAZER DE VOLTA
  • Lave seus utensílios e faça o asseio pessoal afastado pelo menos 60 metros da fonte de água, utilizando o mínimo de sabão biodegradável. Espalhe no terreno a água suja para que seja por ele filtrada.

  • Enterre as fezes humanas depositando-as em um "buraco de gato": uma cova de 30 cm de profundidade, no mínimo 60 metros distante das fontes de água, de trilhas e de acampamentos e, uma vez utilizado, cubra-a e disfarce-a no terreno.

  • Se utilizar papel higiênico, traga-o de volta ou queime-o totalmente em um recipiente apropriado, evitando assim os incêndios.

  • A urina produz odores e faz com que os animais raspem a terra para ingerir os sais.


5 - NATUREZA: DEIXE NO LOCAL TUDO O QUE ENCONTRAR
  • Trate a natureza com respeito, deixando onde encontrou flores, plantas, rochas, conchas, etc. Em pouco tempo elas se convertem em um estorvo em sua casa.

  • Não toque em objetos de importância histórica ou arqueológica pois levá-los é um delito e prejudica irreparavelmente as investigações científicas do local.

  • Permita que os animais exercitem suas atividades naturais sem alterá-las. Não os moleste e recorde que nós somos os visitantes.

  • Escute o som da natureza, evite fazer ruídos e deleite-se com o silêncio.


6 - FOGUEIRAS: MINIMIZE SEU USO E IMPACTO
  • As fogueiras podem causar um grande impacto na natureza. Leve um pequeno fogareiro que possa ser utilizado em qualquer terreno e condição de clima.

  • Se resolver fazer uma fogueira, considere as condições do ambiente, lenha suficiente, vento, etc.

  • Recolha lenha caída de uma área ampla e de um diâmetro maior que a palma da mão; não corte galhos secos das árvores.

  • Prefira um lugar onde já tenha havido uma fogueira anteriormente e não a acenda junto a rochas ou debaixo de saliências pois isto faz com que se produzam rachaduras e fiquem manchadas com fuligem.

  • Uma vez terminada a fogueira, permita que se converta em cinzas, apague-a completamente, moa os carvões e disperse todo e qualquer resíduo.

  • Limpe completamente o lugar da fogueira para que outros também o usem.
O convívio com impacto mínimo no ambiente natural depende muito mais de atitudes e de consciência individual do que de fiscalização, leis e regulamentos.
A idéia não é se transformar em um eco-chato mas valer-se do bom senso e de consciência ética adotando regras pequenas, adaptadas ao nosso meio e que, multiplicadas pelo máximo de pessoas, produzam os resultados cumulados que preservarão um mundo melhor e mais limpo para as gerações vindouras.

Divulgue você também as técnicas de mínimo impacto!



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